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trompetista
trompetista

Eu tinha um aluno no Ensino Médio da Escola Estadual, era um rapaz negro, tímido e sempre se sentava na primeira carteira.  Quando vejo esse fenótipo de rapaz, alguém de poucas palavras, que não conversava com quase ninguém, tendo a pensar: se tem alguém que precisa de um abraço é esse cara. Enquanto professor, também gosto desse perfil porque ele, mesmo sendo assim, era interessado e eu gostava de dar uma atenção pra ele, e ele percebia isso também.

Um dia eu passei uma atividade e durante a aula coloquei para turma ouvir umas músicas do Miles Davis, mais especificamente o álbum Kind Of Blue de 1959, que é o melhor disco de jazz, é o suprassumo do gênero.

E eu percebi a expressão daquele aluno que me perguntou com notável surpresa: “professor, o que é isso?” Respondi: “Isso é Miles Davis meu caro, é o maior disco de jazz de todos os tempos!” Conversamos um pouco sobre jazz ali. Percebi o interesse genuíno do aluno e ao finalizar a aula, eu retirei o CD do aparelho e falei assim: “leva, escuta na sua casa, daqui uns dez dias você me devolve”. Ele surpreso disse “é mesmo?” e eu disse: “sim e na próxima aula eu vou trazer pra você ler um livro que conta a história do jazz.”

Na semana seguinte, eu trouxe um livro para emprestar para esse aluno, ele leu e me entregou o CD e o livro na data combinada.  Conversamos mais um pouco sobre as impressões dos materiais e estabelecemos esse contato. Ao fim do ciclo, no dia da formatura, me recordei desse mano e dei a ele o CD do Miles Davis de presente e disse: “esse é pra você curtir, com essa obra que nunca vai envelhecer”. Nos abraçamos, ele me agradeceu e disse que nunca ninguém tinha feito algo assim por ele.

Depois desse fato, não tive contato com esse aluno, algo normal na função de professor. No fim de 2019, pouco antes da pandemia, eu estava andando pelo bairro de Santana, próximo ao centrinho, indo à loja pra comprar temperos. Esse aluno estava na calçada do outro lado da rua. Percebi que ele parou, eu vi que ele estava me olhando, eu parei e acenei a ele, então ele atravessou a rua e falou assim: “você que é o professor de Arte?” Respondi: “Claro que eu sou. Você acha que eu não lembro de você? eu te dei o Kind Of Blue!” Ele disse: “eu atravessei a rua só pra falar isso pra você, pois desde quando você me deu aquele CD eu comecei a aprender a tocar trompete, eu toco trompete até hoje, eu estou tocando trompete na igreja. Eu estou tocando por causa do Miles Davis!” E falou: “muito obrigado mesmo, porque o que eu mais gosto na vida é de tocar trompete!”

Não quis esconder minha emoção, o abracei e disse que era muito bom e edificante saber disso e que ele prosseguisse por todas as trilhas que o jazz e qualquer música negra pudesse lhe conduzir. Nos despedimos e inevitavelmente, algo mudou em nós, pela magia da arte e educação entre pessoas!

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